domingo, 23 de dezembro de 2012

Natal

NATAL

Soneto de Natal.
(Machado de Assis)

Um homem, – era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, -
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.
Escolheu o soneto… A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

No verso conhecido de Machado de Assis, a última estrofe é significativa: "Mudaria o Natal ou mudei eu?"
O período natalino, com os dias que o antecedem e os preparativos de todas as famílias, tem significado diverso e especial para cada um de nós. No meu caso, guardo lembranças inesquecíveis, a maioria delas proporcionada pelo meu pai que, infelizmente, há 3 anos, não se encontra fisicamente conosco.
No mês de dezembro, o clima que antecede à festa maior da cristandade, qual seja a do nascimento do Menino Jesus, meu pai criava expectativa e uma aura diferente em todos que o circundavam, desde as visitas que recebia, até as que fazia e que nos levava consigo.
Assim, todos os anos recebíamos costumeiramente, nos dias que antecediam o Natal, inicialmente a visita do industrial Wilson Sábio de Melo, ex-presidente da empresa Samello, da qual meu pai foi advogado por um tempo e amigo de Rotary, que trazia um "scotch" de presente e relembrava casos passados. A seguir, minha tia Elza, junto do esposo Hermantino, também efetuava sua visita trazendo ora um "scotch" ora um legítimo vinho italiano. Também costumava visitar-nos Leandro, outro irmão de meu pai, residente em Ribeirão Preto, palmeirense roxo e pessoa agradabilíssima. Por último, outro irmão, Nelson Palermo, também vinha confraternizar e trazer novo "scotch". Além dos bons papos, o estoque de uísque era renovado nesta ocasião. Também, na véspera do Natal, meu pai recebia uma especial e bem sortida cesta de natal do jornalista Corrêa Neves, com os votos de felicidades.
Mas situação inesquecível e imperdível era a visita à Tia Maria, italiana da gema e esposa de Alcides Franchini, exímia elaboradora dos melhores quitutes italianos, que nos recebia com sua bondade e carisma, na véspera do Natal, oferecendo a melhor pizza que já conheci, acompanhada de  "rospis" (bolinho frito, recheado com alici - anchovas) e doces como "rosetta" (círculos fritos com cobertura de mel), "struffoli" (bolinhas fritas, amontoadas e cobertas com mel e frutas cristalizadas), tudo acompanhado de um bom vinho italiano e agradáveis bate-papos. Era uma festa! E um desafio aos deuses da culinária!
Finalmente, no dia 24, no círculo familiar mais próximo e alguns amigos, havia a "ceia" onde, antecipadamente, meu pai escolhia os melhores vinhos (italianos, franceses, húngaros) que iriam acompanhar o peru, carneiro, tender, frutas secas e tortas doces deliciosas preparadas para a ocasião. Isto era apenas um "aperitivo" para o almoço do dia de Natal, onde ponteava a tradicional lasanha de Estraburgo, especialmente preparada por minha mãe, ao lado de novos pratos e frutas secas, acompanhados de vinhos especiais e o fecho de ouro com champanhes ou astis italianas.
Bons tempos!
Atualmente, restam a saudade e as lembranças de um Natal que não volta jamais, uma vez que meu pai com seu entusiasmo e amor à família tornava a festa algo especial e inigualável. O Natal, para ele, significava, além da festa maior do nascimento de Jesus, o ápice do congraçamento familiar, por ele bem entendido como "ternura familiar". Este dom foi adquirido, como manifestou em uma de suas mais belas crônicas, intitulada "Crônica familiar" (Letras avulsas e ritmos proscritos. 2. ed. ampl. Franca: Ribeirão Gráfica e Editora, 2002. p.131), de sua mãe Maria Teresa a qual "deixara, em abundância e em legado, as sementes da ternura familiar, que misturaria no sangue e na alma de seus filhos e netos".
Hoje, o Natal não tem aquela característica que a presença e atuação paterna moldavam e que o relato acentuou.
Daí a lembrança dos versos de Machado: "Mudaria o Natal ou mudei eu?"
 

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