domingo, 8 de janeiro de 2017

Caos carcerário expõe falência do Judiciário e demais instituições.

Caos carcerário expõe falência do Judiciário e demais instituições.

Nos últimos dias o Brasil ficou apavorado com as notícias das ocorrências de massacres em penitenciárias de Manaus e Boa Vista. As chacinas de presos são atribuídas às lutas lideradas por duas grandes facções de criminosos: PCC e CV pelo domínio do mercado de drogas no País. A facção paulista (PCC) controla o tráfico na fronteira com o Paraguai e o Comando Vermelho (CV) toma conta do tráfico na fronteira com a Bolívia. Agregadas às duas existem outras 25 facções criminosas ligadas a uma e a outra das grandes, coincidentemente, o mesmo número de Estados brasileiros. A reação das autoridades, sejam estaduais ou a federal, são medíocres, cada qual empurrando as causas para fatores outros que não as próprias e exclusivas responsabilidades. Isto para não dizer sobre a infeliz declaração do presidente Michel Temer sobre os fatos, evidenciando, mais uma vez, sua fraqueza e incapacidade para o cargo ao qual foi erigido por força do impeachment, não por força da vontade do povo. Ora, pela Constituição, a responsabilidade pelas gestões das prisões é dos Estados, ficando para a União a função de coordenação de um pacto para implementação de medidas conjuntas.
No plano teórico as coisas seriam fáceis. Na prática, todos nós sabemos, de longa data, que nenhum dos atores, União e Estados, trabalha corretamente, aplicando-se rotineiramente medidas paliativas. Ontem, num programa da GloboNews intitulado Painel, apresentado por William Waack, com a presença do ex-presidente do STF. Ayres Brito, do professor Oscar Vilhena e do cientista político Roberto Romano, discutiu-se exatamente a falência do sistema carcerário brasileiro, comentando-se as causas da atual situação aflitiva. E tanto o apresentador como Vilhena e Romano acentuaram que duas grandes evidências fazem parte das diversas causas: a inépcia do Judiciário e do Ministério Público, o primeiro mantendo presas pessoas que nem julgadas foram e o segundo que preocupa-se somente em denunciar, deixando de, em seguida, fiscalizar a situação das prisões. E o que é o pior: Romano afirmou categoricamente, apesar do protesto de Ayres Brito, que há muita corrupção de juízes e desembargadores, o que aumenta o problema.
Em 1971, Roberto Lyra, um dos maiores penalistas brasileiros, que tem obras primas do Direito Penal, inclusive na área prisional, das execuções penais, sendo até nome de presídio atualmente, foi um crítico mordaz das prisões, afirmando sobre seu conceito de prisão: “É a ruptura, de oficio, do chamado contrato social. O preso passa, compulsoriamente, a vegetar, noutra sociedade. Prisão é a morte moral, morte cívica, morte civil, morte mesmo pela consumição da vida... (Novo Direito Penal. V. III. Rio: Borsoi. 1971. p.108).
Também, embora haja uma Lei de Execuções Penais boa, a aplicação deixa a desejar, por falha do Judiciário, e, na prática, acontecem vários atentados à dignidade humana. Neste sentido, Lyra, naquela obra de 46 anos também já acrescentava: "Seja qual for o fim atribuído à pena, a prisão, é contraproducente. Nem intimida, nem regenera. Embrutece e perverte. Insensibiliza ou revolta. Descaracteriza e desambienta. Priva de funções. Inverte a natureza. Gera cínicos ou hipócritas. A prisão justifica a oposição do preso à lei e à autoridade, cuja imagem está nos atos de seus órgãos e agentes. Aprende-se a iludir a lei depois de violá-la." (idem, p.111).
É um fato cada vez mais atual. Além do sistema carcerário não produzir bons resultados para a sociedade, como é de se esperar, o que não podemos como cidadãos aceitar é a inoperância das instituições. O Executivo fecha os olhos, como se o problema não fosse seu. O Judiciário, a quem cabe julgar as pessoas, não o faz dentro dos padrões constitucionais, mantendo presos cidadãos sem julgamentos, permitindo convivência de detentos menos perigosos com os de maior periculosidade, colaborando com uma verdadeira universidade do crime, além de não investigar e punir aqueles magistrados reconhecidamente corruptos. Também, saliente-se a responsabilidade do Ministério Público que abre mão de uma de suas obrigações, qual seja a de fiscalizar os presídios para denunciar irregularidades e ilegalidades cometidas contra os presidiários, por agentes, policiais, membros do Judiciário, etc.
Mudanças devem ocorrer e de forma urgente. Além das mortes revoltantes, há que se lembrar que o Poder Público é responsável pela integridade física e moral do presidiário, o que não vem ocorrendo, em visível afronta à decisão de repercussão geral do STF, no RE 841.526.
O irrestrito respeito à integridade física e moral do preso é corolário direto do princípio geral da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), fundamento da República Federativa do Brasil. A condição de preso, por evidente, não retira da pessoa sua condição de ser humano. O próprio art. 3º da Lei de Execução Penal nos adverte que ao condenado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
Afinal, foram 90 mortes em uma semana de janeiro, apenas nos presídios de Manaus e Boa Vista, criando uma situação caótica e expondo ao mundo inteiro a incapacidade dos órgãos públicos em gerir as crises nos presídios, os quais estão nas mãos das facções criminosas que humilham Executivo, Ministério Público e Judiciário, incapazes de manter a segurança pública.