sexta-feira, 23 de março de 2018

A farsa do STF.

A farsa do STF.

"O diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém." Shakeaspeare.

A sessão de ontem do STF parece uma tragédia encomendada ao maior mestre do teatro. Quando os olhos céticos da nação se dirigiram ao palco das estrelas do STF, os poucos otimistas que ainda sobrevivem no lamaçal do país esperavam que a decência prevalecesse na consciência dos ministros. Afinal, não era um simples jogo político, mas a oportunidade do resgate da credibilidade daquela que um dia fora chamada de "mais alta Corte" e "guardiã da Constituição".
Mas, não, a mediocridade superou a ombridade e o patriotismo.
Sucumbindo à esperteza e à criatividade de um veterano criminalista, ex-deputado e ex-presidente da OAB, que não orgulha e não representa quem é advogado idealista, a maioria dos ministros caiu na teia ou encenação arquitetada, talvez até antes do espetáculo teatral ter início.
Na realidade, o cidadão comum não entenderá que, segundo a criatividade maligna dos julgadores, teria sido uma "liminar" (decisão provisória) em cima de um "habeas corpus" (remédio heróico constitucional)  cujo "mérito" (conteúdo) nem sequer chegou  a ser analisado ou votado. Para os brasileiros tais filigranas jurídicas não significam nada, apenas o fato de que Lula ficará solto, independente de duas condenações, a última em segundo grau. O que o tornou um "cidadão diferente" dos demais, com privilégio sobrenatural dado pelos "Santos Supremos".
No teatro do absurdo, o STF passou quatro horas dizendo porque iria conhecer o HC e mais uma hora dizendo porque iria suspender a sessão e, no final, concedeu uma liminar sem dizer porque a estava  concedendo. Tudo com a ajuda providencial de dois ministros, Lewandowiski e Marco Aurélio que, apesar da importância do tema em análise, "inventaram" compromissos inadiáveis para terem que abreviar suas permanências na sessão, forçando um adiamento que convinha aos anseios da defesa. Pareceu ato mancomunado, nos mais sórdidos casos onde a hipocrisia e a desonestidade falaram mais alto. Marco Aurélio, por exemplo, alegou que tinha voo para o Rio para compor um Conselho de Direito do Trabalho. Será que tal cargo é mais importante que a decisão de ontem?
Lamentavelmente, para a expectativa de quem achava que a Operação Lava Jato traria novas esperanças de um Brasil melhor, a decisão de ontem foi como um balde de água fria. E, quando o STF retornar ao assunto, no dia 4 próximo, o que se espera é que seja repetido o placar favorável a Lula, de 6 a 5, com a concessão definitiva do HC. Neste caso, para fins práticos, o entendimento da Corte sobre prisões pós-segunda instância terá sido extinto e qualquer advogado de réu estrelado (com dinheiro para pagar altos honorários) poderá invocar o caso "Lula" para libertar seu cliente. Assim, espera-se, no dia 4 próximo, todos os componentes da mais alta Corte se lembrem das palavras de nosso mais brilhante jurista, Ruy Barbosa, que apesar de sempre exaltar a figura do Judiciário, não deixou por menos ao criticá-lo: "Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de Estado, interesse supremo, como quer que te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos". (in SÁ FILHO, Francisco, op,cit., p.292).



domingo, 18 de março de 2018

Brasil, nave sem rumo.

Brasil, nave sem rumo.


"Caminhar sem rumo é uma grande arte." (Thoreau)
Os últimos acontecimentos, notadamente a tragédia da morte da vereadora Marielle, no Rio de Janeiro, escancaram a situação do país, uma imensa nau sem rumo. O crime, ainda não solucionado, com várias hipóteses de autoria, nenhuma otimista, aumentou feridas abertas na população que não aguenta mais a penúria de horizontes em que soçobrou a Nação desde as investigações da Lava Jato que possibilitaram que se soubesse, ao certo, o motivo da decadência econômica e moral predominante. Num momento angustiante, o que incomoda são os aproveitadores de plantão. De todos os lados. A esquerda, com elementos do partido da assassinada, sempre radicais, utiliza sua mártir politicamente. O PT, afundado e quase extinto devido às condenações da Lava Jato, com seu líder maior em stand by da prisão, tem nos seus mais sórdidos componentes uma oportunidade para tirar o foco e tentar, como última e derradeira maneira, reerguer-se. É patética a declaração de Dilma de que "a morte de Marielle é mais uma parte do golpe". Também, artistas de esquerda como Caetano Veloso e Chico Buarque, adeptos do lulismo, quiseram aproveitar o momento para ressurgirem do momento crepuscular de suas carreiras. A direita, atônita e sem argumentos, procura minimizar o crime bárbaro, ora justificando os problemas crônicos da segurança, ora manifestando-se de forma errônea como a desembargadora Marilia Castro Neves, aludindo em postagem no Facebook que Marielle teria tido parceria não cumprida com o Comando Vermelho. Ainda que fosse verdade, não cabia tal afirmação neste momento. Mostra a penúria intelectual do TJRJ. Ainda do lado do Judiciário, hipócritas manifestações dos membros do STF soaram como tentativa de diminuição da culpa que todos têm em julgar tardiamente os casos em suas mãos e reduzirem o resultado da eficácia da Lava Jato.
O fato é que todas as autoridades parecem desacorçoadas, com os responsáveis pela segurança que passam a agir em total desarmonia.
Mas, se soluções existem, todas no momento caminham em areia movediça. A aflição para  o encontro de um caminho pode ser comparada a uma frase marcante de Fernando Gabeira, em recente artigo intitulado "Rio dilacerado": "A derrocada da polícia do Rio foi precipitada pela corrupção dos governantes. Vi, de relance, algumas pessoas na rua pedindo o fim da PM. Mas, o que colocar no lugar? Talvez não seja nem a pergunta mais difícil. A mais difícil é essa: como trocar os pneus com o carro em movimento?".
É verdade. Como consertar o estrago feito, por décadas, ao Brasil, por governantes que ainda determinam os rumos do país?
Como esperar uma solução pelas urnas, quando aparecem candidatos sem qualidades como Alckmin, Bolsonaro, Henrique Meirelles, Rodrigo Maia, Huck, Guilherme Boulos, Manuela Ávila, Ciro Gomes, Marina Silva, Álvaro Dias e, last but not least, o indefectível e criminoso maior Lula?
Há que se criar um ambiente em que não se tolere que classes como a do Judiciário pleiteiem greve para manter privilégios ou penduricalhos como "auxílio moradia" para servidores que têm média de trinta mil reais mensais ou mais, em confronto com milhões que sobrevivem à custa de salário mínimo de R$937,00, sem direito a qualquer "penduricalho" e sem qualquer possibilidade de revoltar-se.
Justiça social antes de tudo, esta talvez seja a rota para a nau chegar a um destino. E justiça social naquilo que ela tem de mais peculiar em seu cerne: compromisso do Estado e instituições não governamentais em buscar mecanismos para compensar as desigualdades sociais, geradas pelo mercado e pelas diferenças sociais. Um dos pensadores que melhor definiu e delineou os principais elementos para alcançar esse princípio foi John Rawls. Nos seus estudos teóricos sobre a temática, esse autor estabeleceu três pontos para alcançar o princípio de equidade:
1. garantia das liberdades fundamentais para todos;
2. igualdade de oportunidades; 
3. manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos.
É sonho, utopia? Só as eleições próximas poderão dar tal resposta.








sábado, 3 de março de 2018

O respeito à lei

O respeito à lei

É preciso que os homens bons respeitem as leis más, para que os homens maus respeitem as boas. Sócrates.

Recentes notícias ligadas à segurança, bem como a atitude dos políticos diante do impacto social daí decorrente, demonstram que devemos voltar a fomentar a educação no sentido do valor do respeito às leis vigentes pelo cidadão como o corolário do bem estar social.
É fato que a situação caótica em que se encontra o país deriva de uma ignorância e desprezo das autoridades pelo cumprimento das leis. Isto se reflete no cidadão comum que não tem em que e em quem se espelhar.
Assim, é preocupante verificar que o Judiciário não tem cumprido sua mais elementar função que é a distribuição igualitária da Justiça. O sucesso da Operação Lava Jato se restringe à brava atuação da Polícia Federal, da Procuradoria Geral da República e do Poder Judiciário de primeira e segunda instâncias, mais especificamente na órbita da Justiça Federal. Tanto o STJ, como o STF deixam a desejar no exercício rigoroso e eficiente de suas funções, com o principal mal que acomete o Judiciário, qual seja a morosidade nas decisões. Além disso, em relação ao STF, atitudes de seus membros como Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso, restritos a quizilas entre si, maculam o respeito geral à mais alta Corte. Tais dúvidas não se restringem somente aos dois. Há o temor das  futuras decisões dos demais membros do STF por suas manifestações anteriores, eivadas de incoerência e parcialidades oriundas das opções políticas dos mesmos. Nem se fale, também, da falta de confiabilidade no TSE, o qual, após ter maculado sua existência ao poupar Temer e Dilma no julgamento da chapa, contrariando provas e legislação, proporcionou a continuidade da situação de desgoverno ora persistente.
A crise aumenta e assusta com o recente episódio da demissão tardia do diretor geral da Polícia Federal, e a remodelação  e criação de um novo ministério sob a premissa política de correção dos problemas da segurança. A situação demonstrou a insegurança e instabilidade das autoridades responsáveis, culminando com o estranho e inusitado prêmio de consolação ao demitido, para o cargo de adido na embaixada de Roma, numa mistura promíscua entre política e segurança.
Por fim, a declaração recente da ministra chefe do STF, Carmen Lucia: "A democracia vive da confiança que o cidadão tem de que o Estado não vai lhe retirar o direito de andar na rua sossegadamente", soa como uma "mea culpa", não só do órgão que representa, como um alerta para todos da órbita da política e do Judiciário.
Em editorial de hoje, o jornal O Estado de S.Paulo comenta um debate que realizou, intitulado "A reconstrução do Brasil", no qual dois juristas, Joaquim Falcão, professor da FGV-Rio e Nelson Jobim, ex-presidente do STF, discutiram a Constituição Federal de 1988 e suas carências. Ambos compararam-na à dos EUA, que tem apenas 7 artigos e algumas emendas, mas que atende aos cidadãos, com a nossa, com sua centena de artigos e uma quantidade enorme de emendas, mas que não atende às nossas necessidades. Na época, para atender às diversas correntes políticas, fez-se uma Constituição para atender aos vários segmentos, com artigos ambíguos sujeitos a muitas interpretações, obrigando o Judiciário a esclarecê-las quando necessário. Isto impôs um papel muito relevante ao Judiciário, chegando ao ponto de exercer a função de Poder Moderador atualmente, o que não é seu papel. A CF tornou o Poder Executivo dependente dos partidos políticos, obrigando os presidentes a realizarem coalizões que nem sempre atendem aos interesses do povo. E, se o Congresso passa a agir com chantagens, o Judiciário, obrigado a intervir, extrapola suas funções normais. Como salientou Nelson Jobim: "o Judiciário deve apenas aplicar a lei, não ser um elemento arbitrador dos interesses da sociedade". E mais: "a Constituição deve sofrer uma 'lipoaspiração', pelo excesso de regras, fazendo o Executivo refém do Congresso".
Há muito tempo, no Brasil, por força dos homens públicos maus, o respeito à lei está desacreditado. Nunca é tarde para lembrar exemplos bons. Recentemente, em debate no Parlamento Europeu, o primeiro vice presidente da Comissão Europeia, Frans Timmerman, a respeito do conflito na Catalunha, fez oportuna advertência: "as sociedades democráticas europeias foram construídas com base em três princípios, democracia, respeito pelo Estado de direito e direitos humanos e se um desses pilares for removido os outros dois cairão". E ajuntou: "o respeito pelo Estado de direito não é opcional, é fundamental. Se a lei não nos der o que queremos, podemos opor-nos à lei, podemos trabalhar para a alterar, mas não podemos ignorar a lei(...)".
O Brasil tem boas leis, mas lhe falta quem as respeite, principalmente aqueles que mais deveriam dar tal exemplo. Neste caso, corremos o risco de cair no perigo sobre o qual um célebre alemão advertiu há muito tempo: "com leis ruins e funcionários bons ainda é possível governar. Mas com funcionários ruins as melhores leis não servem para nada" (Otto Bismarck).