sábado, 14 de julho de 2018

Leonardo da Vinci.

No período da Copa do Mundo vários acontecimentos relacionados à Lava Jato, com graves ameaças à imagem do Poder Judiciário, já maculada por impropriedades realizadas por indignos ministros do STF, apontaram para uma situação que considero crítica: a falta de perspectiva para a população diante dos sucessivos comportamentos desonestos do Poder Judiciário, outrora atribuídos somente à classe política e empresarial. E, esta palavra, perspectiva, de vários significados, dominou meu pensamento na leitura de uma maravilhosa obra: "Leonardo da Vinci" (Editora Intrínseca, SP), de Walter Isaacson, jornalista e biógrafo de personagens famosos como Einstein e Steve Jobs. Como se sabe, perspectiva é uma palavra de múltiplos significados, podendo estar relacionada com o modo como se analisa determinada situação ou objeto; um ponto de vista sobre uma situação em específico; um modo tridimensional de representação ou tudo o que se consegue ver ao longe. Nas artes visuais, a perspectiva é entendida como uma técnica de pintura que consegue criar um efeito ilusório nas pessoas que visualizam determinada imagem a partir de um ângulo específico e à distância. Essa técnica era muito utilizada na pintura do período do Renascimento, própria para representar diferentes dimensões de profundidade de um mesmo espaço. Leonardo da Vinci, explorou divinamente tal técnica e sua mais famosa obra "A Mona Lisa" é um dos exemplos da pintura em perspectiva.
Leigo, tive minha iniciação na observação e deleite de pinturas ainda na adolescência ao folhear uma coleção de meu pai denominada " Dicionário Lello Universal" (quatro volumes), onde nos verbetes ligados aos pintores eram apresentadas fotografias muito nítidas das principais obras. Um grande pintor barroco chamado Michelangelo Meriso, conhecido como Caravaggio (1571/1610), encantou meus olhos, e fotos de suas obras às quais sempre retornava, e posteriormente, em visita a Galeria Uffizi em Florença com minha esposa Fernanda, tivemos a oportunidade de ver ao vivo seus quadros. Em suas obras, usa e abusa da sombra e da luz, fazendo o observador entrar na cena. Também se utilizava de efeitos de iluminação, usando fundo negro. Assim, como Leonardo, Caravaggio viveu no Renascimento, palco de renomados artistas. Adulto, em temporada na cidade de Washington, DC, quando minha esposa cursava mestrado, local de dezenas de ótimos museus, visitamos a National Gallery of Art e lá fiquei maravilhado com a quantidade de ótimas obras de pintores famosos. Na sequência, anos mais tarde, tivemos a felicidade de conhecer as riquezas artísticas no Louvre, Paris, Uffizi, Florença, Vaticano, Roma, conhecendo ao vivo a Mona Lisa e quadros de Caravaggio.
Ao ganhar de meu filho Daniel e sua esposa Tatiana a biografia de Leonardo da Vinci, nunca pensei que iria, como leigo que sou, apreciar a leitura muito bem fundamentada e com detalhes técnicos das principais obras do pintor florentino, complementando tudo aquilo que anteriormente havia visualizado.
O autor divide o livro em capítulos com sequência detalhada da vida e obra de Leonardo, descrevendo sua trajetória instigante desde o nascimento, passando por seus diversos patronos nas cidades em que mais permaneceu: Florença, Milão e Roma na Itália e cidade de Amboise, no vale do Loire, França, onde faleceu, sempre se utilizando de visitas aos principais locais onde as obras se encontram, assim como diálogos com os maiores especialistas e técnicos de investigação científica da matéria. Desta maneira foi possível retratar as paixões de Leonardo: pintura, escultura, engenharia, produções teatrais, que possibilitavam-lhe exercitar sua privilegiada imaginação, que beirava a fantasia, para criar desde obras de arte até objetos de guerra, planos de cidades, desvios de cursos de rios e outras inúmeras atividades. Era obcecado em anatomia, realizando dissecações de pessoas e animais visando conhecer-lhes músculos, ossos, funcionamento. Tal atividade, além de satisfazer sua curiosidade, tinha o objetivo de aperfeiçoar sua pintura e escultura, tornando suas criações mais perfeitas.
Leonardo usava e abusava da técnica artística da perspectiva, uso das cores da realidade, figuras humanas perfeitas, temas religiosos, uso da matemática em cálculos artísticos. Era canhoto, e usava a escrita reversa, escrever ao contrário. Nasceu em 1452, na aldeia de Vinci, próxima de Florença, filho ilegítimo de um tabelião e de uma jovem. Aos 16 anos, era aprendiz de pintor e escultor do renomado Andrea del Verrochio, em local onde trabalhavam nada mais nada menos que Boticelli, Filippino Lippi, todos protegidos do governador Lourenço de Médici. Outro fato importante na leitura do livro são os comentários sobre o relacionamento de Leonardo com contemporâneos famosos como Maquiavel, a quem dedicava amizade e recebia conselhos, e, também Michelangelo, do qual são mencionadas divergências intelectuais e técnicas. Em Milão, em 1482, já com 30 anos, passa a trabalhar para o duque Ludovico Sforza. Suas obras mais famosas foram" Virgem das Rochas", 1495, "A Última Ceia", obra grandiosa de 9 metros por 4, na parede do Convento Santa Maria dele Grazie, em Milão, " A dama de arminho", retrato de Cecília Gallerani, " Mona Lisa "(iniciada em 1503), considerado o quadro mais cerebral da pintura ocidental, atualmente no Louvre, em Paris. Na época em que morou em Roma de 1513 a 1516, sob a proteção do Papa Leão X, pinta " São João Batista", provavelmente sua última obra. No final da vida, amigo do rei francês Francisco I, veio a falecer no Castelo de Cloux, Amboise, Vale do Loire, França no dia 2 de maio de 1519 e está sepultado no convento da linda igreja gótica de Saint Hubert, em Amboise. Tive o privilégio de conhecer tal castelo e o túmulo de Leonardo. É um local mágico, lindo e algo muito emocionante e marcante.
Enfim, trata-se de um livro imperdível para quem aprecia Leonardo da Vinci e almeja conhecer detalhes e motivações de seu insuperável acervo. Facilita, também, uma melhor compreensão quando se tem oportunidade de ver, nos museus, as obras ao vivo. Ao ler o livro, chegamos à conclusão do autor sobre a personalidade incrível de um dos maiores pintores já existentes: "Como era de praxe com Leonardo na arte, na vida, no nascimento e agora na morte, há sempre uma névoa de mistério pairando sobre tudo. Não se pode retratá-lo em linhas claras e bem definidas, nem se deve pensar nisso, assim como ele jamais retrataria a Mona Lisa dessa maneira. Há um lado positivo em deixar algo para nossa imaginação. Como ele bem sabia, os contornos da realidade são inerentemente borrados e deixam traços de incerteza que devemos aceitar. A melhor forma de enxergarmos sua vida é ver como ele enxergou o mundo: imbuído de um senso de curiosidade e com enorme admiração pelas suas infinitas maravilhas" (op. cit. p.546-547).
Num país em que seus responsáveis levaram os cidadãos a não acreditarem em nenhuma instituição, bem como ficarem com a sensação de inexistência de horizonte, a leitura, um dos poucos bons refúgios, proporciona uma injeção de otimismo e de esperança de que, algum dia, apareçam pessoas imbuídas de criatividade e genialidade e que possam resgatar valores importantes hoje relegados.

Fotos de viagem ao Castelo de Amboise, Vale do Loire, França, onde Leonardo da Vinci passou seus últimos dias e foi enterrado:

Foto 1: Capela Saint Hubert, onde está o túmulo de Leonardo da Vinci;
Foto 2: Túmulo;
Fotos 3 e 4: Visão externa do Castelo e do rio Loire;
Foto 5: Foto interna do Castelo com busto de Leonardo;
Foto 6: Foto interna do Castelo com cópia da Mona Lisa.