domingo, 8 de abril de 2018

Lula e o protagonismo judicial. Por uma mudança na Justiça.


"Certo non basta la fiducia per vincere. Ma se non si ha la minima fiducia, la partita è persa prima di cominciare." (Confiança não é suficiente para vencer. Mas se você não tem a menor confiança, o jogo se perde antes de começar.) BOBBIO, Norberto. L'Età dei diritti. Torino: Einaudi, 1990. p.270.


 A última sessão do STF, decidindo sobre o HC de Lula, teve contornos de drama e angústia, onde a população, mais uma vez e de forma absurda foi levada a aguardar seu destino baseada numa decisão que os membros da "Excelsa Corte" iriam proferir. Isto porque a atitude de alto protagonismo do Judiciário em relação ao cenário político passou a ser uma constante nos últimos anos no Brasil.
Sempre que ocorre alguma transformação social e uma política turbulenta, surgem os tribunais, tomando partido de algumas forças, na maioria daquelas conservadoras, mas, nem sempre desempenhando ativismo. A partir de 1980, ocorre um aumento e o sistema judicial passou a ter uma forte proeminência, em países latino-americanos, europeus, africanos, e no mundo em geral, elevando sensivelmente o protagonismo do Judiciário, como bem salienta Boaventura de Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador cientifico do Observatório Permanente de Justiça Portuguesa, em sua excelente obra "Para uma revolução democrática da Justiça" (Coimbra: Almedina, 2015. p.19-20). Conforme o ilustre professor de Coimbra, que transita também nos meios universitários brasileiros há tempos, este fenômeno da amplitude do poder Judiciário no seu papel originário repercute num tema hoje muito debatido, e criticado às vezes, do intervencionismo judicial na esfera do Legislativo e do Executivo. Como salienta o autor, em sua obra: "ao abandonar o low profile institucional, o judiciário assume-se como poder político, colocando-se em confronto com os outros poderes do Estado, em especial com o executivo. Esta proeminência e, consequentemente, o confronto com a classe política e com outros órgãos de poder soberano tem-se manifestado sobretudo em três campos: na garantia de direitos, no controlo da legalidade e dos abusos do poder e na judicialização da política."
Entende-se que o protagonismo judicial na esfera legislativa e executiva só deveria ocorrer, excepcionalmente, quando ocorra uma omissão da obrigação constitucional do ente público.
José Eduardo Faria, professor de filosofia e sociologia do direito, da USP, em excelente entrevista no último número do Jornal da CAASP (OAB-SP), de nº 34, de abril, intitulada "A Lava Jato e a guerra entre duas doutrinas jurídicas", entende natural a situação justificando que "o direito tem seu tempo, a política tem o seu tempo. - Mas há um momento e esse é o momento dos Tribunais Superiores - em que o Direito e a Política se aproximam."
Na verdade, este protagonismo judicial atua de formas diversas, de acordo com os problemas específicos dos países e numa intensidade proporcional ao desenvolvimento dos mesmos. Naqueles mais desenvolvidos, menor, nos menos, maior. É o que ocorre no Brasil, atualmente. É tão exagerado o protagonismo judicial, e o que é o pior, de qualidade discutível pela marcante diversidade de interesses pessoais dos membros da alta Corte, que chegamos ao ponto crítico com a decisão desta última quarta-feira em que houve tentativa de se blindar de execução penal um ex-presidente condenado por corrupção, em primeira, segunda instância e com pedido de habeas corpus negado pela terceira instância, pelo STJ, tudo por divergências jurisprudenciais sem fundamento.
A decisão de 6x5 demonstrou a dificuldade de se decidir algo trivial que, se não fosse o réu  Lula, ocorreria sem maiores transtornos. Afinal, Lula contava com alguns ministros nomeados em governos petistas (Toffoli, Rosa Weber, Fux, Lewandowiski, Carmen Lucia, Fachin, Barroso), que poderiam estar constrangidos em decidir contra seus interesses.
Comentaristas entendem que, se não tivessem ocorrido manifestações de todos os setores, no sentido de uma posição coerente do STF, dificilmente o pleito do condenado seria recusado.
Venceu o bom senso de Rosa Weber e, embora, apertado o placar, a Justiça foi feita e o STF escapou de seu descrédito total pela população.
A situação é anômala. Como bem acentuou o ministro Barroso, um dos mais coerentes do atual STF, analisando, certa feita, a atual efervescência do Judiciário: "a grande contradição é que nós (sistema Judiciário) dependemos de mudanças que têm que vir do Congresso. E espontaneamente elas não virão, porque, compreensivelmente, as pessoas não mudam o sistema que as elegeu. A sociedade brasileira, mobilizada, é que deve cobrar as mudanças, começando pelo sistema de justiça, que é o fim do mundo."  E disse também esperar mais, que em breve o País passe por uma campanha de desjudicialização:"ninguém pode achar que a vida de um país possa tramitar nos tribunais."
Finalmente, a cena final: no dia seguinte o juiz Sergio Moro expede o mandado de prisão, concedendo a Lula, em razão de seu histórico, o direito de se apresentar espontaneamente às 17h do dia posterior. Lula refugiou-se na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, junto com seus asseclas e só  se apresentou à Polícia Federal 26 horas depois do prazo, mas, antes fez todo um drama, participou de uma solenidade-missa ecumênica sob a desculpa de homenagear os 68 anos de sua falecida esposa e, após muita confusão entregou-se à Polícia Federal, sendo encaminhado para Curitiba para o cumprimento da pena.Terá sido o fim do drama shakeaspearino da prisão do maior criminoso que o país já teve? Ou novos recursos e chicanas jurídicas virão?
Ninguém pode assegurar. Mas, pelo menos os brasileiros ficaram com uma certeza: a prisão, agora, é para todos!
Na esteira de Bobbio, porém, ao brasileiro é essencial ter confiança!