domingo, 27 de setembro de 2020

Eleições, uma tradição indigesta

Estamos, novamente, às voltas com as eleições. Agora, serão eleitos prefeitos e vereadores nos mais de cinco mil municípios. A eleição é um processo de escolha através do voto, também conhecido como sufrágio. Conforme ensinam os dicionários, o sufrágio (do termo latino suffragium, "voto") é a manifestação direta ou indireta do assentimento ou não assentimento de uma determinada proposição ao eleitor. O conceituado jurista Paulo Bonavides, em sua obra Ciência Política, explica com propriedade o assunto:

"O sufrágio é o poder que se reconhece a certo número de pessoas (o corpo de cidadãos) de participar direta ou indiretamente na soberania, isto é, na gerência da vida pública. Com a participação direta, o povo politicamente organizado decide, através do sufrágio, determinado assunto de governo; com a participação indireta, o povo elege representantes. Quando o povo se serve do sufrágio para decidir, como nos institutos da democracia semidireta, diz-se que houve votação; quando o povo porém emprega o sufrágio para designar representantes, como na democracia indireta, diz-se que houve eleição. No primeiro caso, o povo pode votar sem eleger, no segundo caso o povo vota para eleger." (in Ciência Política, 22.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2015. p. 245).

A prática do sufrágio, obviamente, se dá segundo seu conceito em regimes democráticos. E a democracia, cantada em versos por muitos e considerada utópica por seus adversários, vem sendo o regime mais defendido pela maioria dos povos livres. Rousseau, defensor da democracia, no seu  Contrato Social, deu margem aos inimigos do regime quando, em seus arroubos, disse: "Se houvesse um povo de deuses, esse povo se governaria democraticamente". É claro que se referia à perfeição desta forma de governo e não à deturpada interpretação de seus inimigos. 
Diga-se de passagem, que à época, ainda não haviam intérpretes do naipe dos atuais ministros do STF que, à guisa de defensores da Constituição, sempre infringem suas normas com afronta à pureza democrática.  
Pois bem, toda esta introdução para salientar que votar é um ato dos mais difíceis de ser realizado. A boa fé do bom eleitor se esmera na escolha cuidadosa daquele que será seu mandatário e tratará de realizar os anseios e expectativas das necessidades inerentes à vida em sociedade. E, tragicamente, na maioria das vezes, o desencanto com a escolha errada não tarda a aparecer e o remorso do eleitor persiste por quatro ou oito anos, seja a escolha para vereador, prefeito ou deputado, seja, na segunda hipótese, para senador. 
No meu caso, veterano como eleitor, confesso que mais me arrependi do que tive satisfação. Sempre confiei nas boas promessas e na aparente honestidade de princípios e propósitos. E como errei. Principalmente, no sufrágio dos grandes responsáveis pela Nação, os presidentes. Especialmente quando os ventos do populismo me levaram consigo. Jânio Quadros, um perfeito ídolo, que se propunha a "varrer" a corrupção, nos anos 60, foi um exemplo. Curta duração e renúncia. Depois, nos anos 90, Fernando Collor, que se propunha a "caçar os marajás". Durou pouco mais de um ano e foi cassado.
Agora, temos Jair Bolsonaro, que se propunha, como os anteriores, "a acabar com a corrupção" e, em menos de dois anos chama para seu governo elementos representativos da pior política, membros do chamado Centrão, aqueles que sempre se unem ao Poder em troca de favores. Na área atinente aos governos estaduais e municipais errei confiando em tucanos de todo porte, hoje perseguidos pela Justiça. Assim, como exercer este ato democrático e fundamental, o sufrágio, em época de escassos homens públicos?