domingo, 17 de agosto de 2014

Campos: a sinfonia inacabada?



Campos: a sinfonia inacabada?


A súbita e inesperada morte de Eduardo Campos abalou tragicamente o cenário político nacional. O dia 13 de agosto de 2014 soou como um corte abrupto numa sinfonia harmoniosa que o então maestro ceifado pela morte prematura ensaiava para o porvir de nossa nação.
Sim, Eduardo Campos, embora marcado em terceiro lugar nas pesquisas eleitorais das eleições presidenciais, na qualidade de jovem promissor na política, e no entanto já veterano em seu estado natal Pernambuco, vitorioso em dois mandatos governamentais e com gestões exemplares, tal como um fênix na política, surgiu, brilhou e foi levado, não por uma estrela cadente, mas por uma falha não esclarecida em seu último voo de campanha na cidade paulista de Santos.
O Brasil, judiado por governos petistas durante mais de uma década, com crescimento zero e economia claudicante, teria em Eduardo Campos, se eleito, a chance de retornar aos trilhos do progresso.
Faço tal afirmação porque acompanho a trajetória de Eduardo Campos desde 2008, quando em Washington, D.C., tive oportunidade de assistir uma palestra dele, em um instituto americano destinado a estudos brasileiros. Naquela oportunidade, o jovem governador pernambucano, de DNA socialista (neto de Miguel Arraes), perante uma plateia composta de embaixadores e autoridades americanas, inflamado, falou das vantagens em se investir em Pernambuco e mais especificamente, mostrando seu inconformismo quanto a não existência de voos frequentes entre Recife e os EUA, mesmo existindo naquele estado a maior fábrica de Coca Cola fora dos EUA.
Naquele momento percebi a chama do estadista em ebulição e o carisma que envolvia Eduardo Campos. Terminada a palestra, estava eu a conversar com seu assessor de imprensa quando o governador se aproximou e sabendo ser eu brasileiro e tendo elogiado sua palestra, aproximou-se e num abraço sincero agradeceu minhas palavras com a simplicidade dos grandes. Ali, naquele momento, não havia nenhuma conotação demagógica. Era um ato sincero.
De lá para cá, venho acompanhando os passos de Campos, sempre comprovando minhas previsões de que algo maior estava para vir. Quando se candidatou, logo me manifestei favorável a sua eleição, por estar convicto de que seria a melhor opção entre uma Dilma incapaz e um Aécio que nunca convenceu, além de oferecer uma opção ao eleitor cansado da polarização PT/PSDB. Suas ideias e programas batiam com minha visão socialista moderna, fato que Eduardo encampava com maestria. Inclusive, a revista Veja, informa que, em entrevista realizada três dias antes da morte, Eduardo Campos, inquirido sobre seu socialismo com vertentes capitalistas, explicou com facilidade:
"O senhor é socialista? Claro que sou socialista. Mas à medida que o mundo avança, o socialismo vai tendo releituras. O que é ser socialista no século XXI, no Brasil de hoje? É defender a educação em tempo integral, um sistema de saúde pública que funcione, uma política de segurança que proteja jovens e negros da periferia, passe livre e um sistema de transporte público de qualidade" (in "Eduardo Campos, um socialista com métodos capitalistas", Veja).
Pois sim. Esta ideia de sobrepujar a educação como prioridade de governo, apesar de tão óbvia no Brasil, cantada em versos e prosa pela maioria dos políticos tradicionais, nunca foi alçada a primeiro plano, a não ser por outro bom político, por sinal também pernambucano, Cristóvão Buarque, que sempre procurou destacá-la. Eduardo Campos vinha defendendo a educação integral para todas as classes sociais, sonho daqueles que entendem ser esta a única solução para a transformação do país.
Sua morte precoce e trágica interrompe as esperanças de um horizonte político de grande porte, no entanto, fica na memória de todos aqueles que o reconheciam como o maior líder político brasileiro da atualidade, uma de suas últimas frases proferidas na última entrevista dada na Rede Globo quando, insistentemente atacado por perguntas idiotas feitas pelo arrogante William Bonner, terminou dizendo de forma otimista: "Não desistam do Brasil!"
O episódio da morte de Eduardo Campos é marcante na vida de todos nós. A mim se assemelha à morte do filósofo grego Sócrates, um defensor intransigente da ética do coletivo sobre a ética do individual que, pelo ideal, caráter, deixou de fugir da aplicação da pena de morte (impedindo que seus discípulos o auxiliassem e acobertassem para manter-se fiel a ética e ao respeito às leis).
Na obra "Curso de Filosofia do Direito" (Bittar, Eduardo C.B; Almeida, Guilherme Assis de. São Paulo: Atlas, 2001.p.62-62) há significativa explicação sobre a ideia de morte para Sócrates, que se aplica na tragédia ocorrida:
"Para Sócrates, a morte representa apenas a passagem, uma emigração, e a continuidade há de ensinar quais valores são acertados, quais são errôneos. Se a vida é uma passagem, é porque a morte não interrompe o fluxo das almas, que preexistem e subsistem ao corpo. Não é a efêmera vida o começo e o fim de tudo, mas apenas parte de um trajeto. Ao homem é lícito especular a respeito, porém a certeza do que será somente os deuses possuem."
É o que esperamos. Que a morte de Eduardo Campos não seja em vão. Que seja o começo de um novo Brasil.
Assim acontecendo, poderíamos concordar com o mesmo Sócrates quando afirmou:
"Renascer, se existe um regresso da morte à vida, é realizar esse regresso. Por este motivo nos persuadiremos de que os vivos nascem dos mortos, como estes daqueles, prova incontestável de que as almas dos mortos existem em algum lugar, de que retornam à vida." (Platão, Fédon, trad., 1999, p.134) in (op.cit., p.63, nota 2).
Que a sinfonia, ao contrário da "Patética" de Tchaikovsky (Sinfonia n.6 em si menor Op.74,1893), que retratava a tristeza do compositor prestes a morrer e considerada pelos críticos como "inacabada" por fugir à regra, não seja considerada inacabada e que os seguidores de Eduardo Campos saibam levantar a bandeira e continuar a trajetória tão bem delineada pelo mesmo.