segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Réquiem para a Justiça

É com tristeza que volto a tratar do assunto Justiça no Brasil, com análise crítica consolidada em cinquenta anos de vivência profissional. E, coincidentemente, minhas ultimas considerações em artigos anteriores colocaram o STF como principal partícipe da erosão da credibilidade do Poder Judiciário no Brasil. Na verdade, é paulatina e crescente a atividade danosa da mais Alta Corte desde a indicação de oito ministros pelo PT, os quais, como se verificou posteriormente, atuaram escancaradamente no intuito de livrarem Lula da prisão, dos processos e da volta aos direitos políticos para um retorno à Presidência. Além, é claro, de diversas outras decisões absurdas em anulação de processos de corrupção e o término da Operação Lava Jato, o instrumento mais eficiente e organizado no Brasil direcionado ao fim da corrupção de pessoas e órgãos públicos.

Há interferência abusiva do STF, na política, em decisões do Congresso, atos do Governo e atitudes arbitrárias a partir do chamado "processo do fim do mundo" em que um ministro atua como investigador, denunciador e julgador, deixando a PGR de lado. Sucessivas prisões de deputados, presidente de partido político e pessoas da mídia, numa afronta a direito fundamental da Constituição, qual seja a liberdade de expressão, trazem à tona o que de pior poderia acontecer em relação à Justiça e ao respeito a mesma e à Constituição. Aqueles que deveriam ser os guardiões da Lei Maior, passaram a infringi-la sistematicamente.

Como ensina José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 15.ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p.247): "a liberdade de manifestação do pensamento constitui um dos aspectos externos da liberdade de opinião. A Constituição o diz no art.5º, IV: é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato, o art.220 dispõe que a manifestação de pensamento, sob qualquer forma, processo ou veiculação, não sofrerá qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição, vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística".

Ora, a partir do chamado "processo do fim do mundo", ligado a manifestações de opiniões, pela mídia, entendidas algumas como fake news, o ministro Alexandre de Moraes, autor, juiz e  provável sentenciador, ao arrepio da Procuradoria Geral da República, incluiu diversas pessoas no rol de acusados, persistindo apesar dos protestos de indignados operadores do Direito. Saliente-se que o ministro Alexandre de Moraes é autor de uma obra de Direito Constitucional, editada há anos e com reedições anuais, em que ele mesmo defende o direito fundamental da liberdade de manifestação de pensamento. O que torna sua atitude, naquele processo, verdadeiro abuso de poder. Está patente que o ministro Moraes levou o assunto como pessoal e tem encontrado o apoio dos demais membros do STF.

Nunca é demais lembrar lições de doutrinadores famosos como o alemão Gustav Radbruch, em livro de cabeceira dos estudiosos do Direito, Introdução à ciência do direito (São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.227) que trata num tópico sobre a incompatibilidade do direito com problema pessoal: "no direito não há espaço para personalidades geniais com senso de justiça imperioso. Justiça e personalidade são inseparáveis, mas eliminar tudo que for pessoal é da essência do direito".

E, na esteira da existência de processo tão bizarro, vários outros magistrados passam a acatar cerceamento da manifestação de pensamento de deputados, jornalistas, blogueiros, etc. Ou seja, o Brasil, um país democrático, pela Constituição, passa, após o desrespeito de membros do STF, a ser dominado pelo despotismo com a manutenção de atos ditatoriais em vigor. Sabe-se que até a Lei de Segurança Nacional (Lei n.7170/83) permitia a liberdade de opinião e a nova Lei n.14.197/2021, que a substituiu, em fase de vacatio legis de noventa dias, também prevê liberdade de opinião. Se ocorrer um delito de opinião, nosso Código Penal está aí para tutelar aquele que se sentir vítima de crime contra a honra. Sempre através de um processo legal onde vigore o direito da ampla defesa.

O que mais chama a atenção é a passividade do Congresso, único Poder entre os três apto a responsabilizar membros do STF e obrigar seus membros, via impeachment ou lei, estancando os abusos, permanece acovardado. Também merece crítica o silêncio dos membros do Poder Judiciário, Tribunais e juízes de instância inferior, assim como membros dos Ministérios Públicos Federal e Estaduais, os quais poderiam, em conjunto, protestar contra as ilegalidades perpetradas. Há, às vezes, fruto do mau exemplo, decisões de magistrados que passam a adotar as práticas ilegais do STF, na hipócrita onda da maioria silente.

Isto tudo leva a crer que, a permanecer a situação atual, só nos resta lamentar o verdadeiro réquiem da Justiça nacional, sem a famosa música de Mozart, com alusão ao dia de amanhã.

Réquiem - Mozart