quarta-feira, 17 de abril de 2019

Notre-Dame

O acontecimento mais trágico do ano foi, certamente, o incêndio da Catedral de Notre-Dame de Paris. Um dos maiores monumentos históricos mundiais, visitado por milhões de pessoas anualmente, teve sua construção iniciada em 1163 e obras que duraram 180 anos para seu término, estando atualmente em fase de restauro, sofreu sérios danos com o incêndio do dia 15 deste mês. O incêndio derrubou a flecha (pináculo), o ponto mais alto do monumento, e reduziu a cinzas boa parte do telhado da catedral, trazendo preocupação quanto à estrutura do edifício. O fogo queimou mais de cem metros de comprimento, conhecido como "a floresta", pelo grande número de vigas utilizadas na instalação. Esta agulha, com altura de 93 metros, foi abaixo com o fogo.
Quando apareceram as primeiras notícias sobre a tragédia, nas redes sociais, algo me revoltou e me deixou mais triste: várias pessoas (brasileiras) fizeram comentários cretinos como: "não tem nada, o que é queimar uma igreja velha", ou, "sou ateu, pouco me importo com este incêndio", ou, "que importância tem queimar uma coroa que se diz de Cristo, e pedaços da cruz e de prego da mesma, se não acredito em Deus!", ou "quando queimou o museu brasileiro não se lamentou tanto". Enfim, julgamentos de pessoas revoltadas e sem qualquer resquício de cultura e amor à arte, próprios de nossa educação reconhecidamente fraca, aliada à inexistência de caráter.
Por outro lado, o mundo inteiro chorou e lamentou a imensa perda. E, de imediato, reações de apoio e manifestações de solidariedade jorraram. Na própria França, o governo se comprometeu a efetuar a reconstrução da parte destruída e magnatas doaram 700 milhões de euros para tal, no dia imediato: a família Arnault, da LVMH, doou 200 milhões; a L'Oréal, da família Bettencourt, mais 200 milhões; a familía Pinault, proprietária da Artemis, doou 100 milhões; a prefeitura de Paris doou 50 milhões, o banco Société Generali, 25 milhões; o Le Crédit Agricole doou 5 milhões; a região da Ile de France, 10 milhões; Boyques, da Telecomunicações, 10 milhões; Marc Ladreit de Lacharrière, 10 milhões; CapGemin, informática, 1 milhão; e outras comunas, 2 milhões. Certamente, as doações não irão parar. Também, países como o Japão e a Rússia se ofereceram para ajudar. Isto, se não anima, reconforta, porque são manifestações espontâneas e de quem sabe o valor do monumento para a cultura mundial.
Curiosamente, o jornal Le Figaro, do dia 16, lembrou fato histórico assustador, qual seja a preocupação constante do grande escritor Victor Hugo, autor de grandes obras entre elas Notre-Dame de Paris, de 1831 que, preocupado e indignado com a degradação da igreja à época, alertava sobre a necessidade de restauração da mesma tendo em conta as mutilações já existentes, bem como enaltecendo Charlemaque que colocou a primeira pedra e Philippe-Auguste que colocou a última. No livro, premonitoriamente, Victor Hugo, evoca a "grand flame fumeuse" de Notre-Dame de Paris: "sur le sommet de la galerie élevée plus haut que la rosace centrale, il y avait une grande flamme qui montait entre les deux clochers avec des tourbillons d'etincelles". ("No topo da galeria mais alta, mais alto do que a roseta central, havia uma grande chama que subia entre as duas torres com remoinhos de faíscas". (Le Figaro, 16.04). Deste livro foi feito um excelente filme, "O Corcunda de Notre-Dame", com Anthony Quinn , que fazia o papel de Quasimodo, o corcunda, e Gina Lollobrigida, o grande amor dele, sempre com a Catedral de Notre- Dame como pano de fundo.
Enfim, agora começam os trabalhos de verificação nos escombros, resgate das obras de arte não atingidas, inclusive os quadros que não foram prejudicados e que serão levados para o Louvre para limpeza técnica. Macron, na televisão, prometeu restauração total num prazo de cinco anos, sendo anunciada, também, a realização de um concurso para que arquitetos planejem o novo pináculo (agulha), ou uma nova ideia para o local, dentro dos parâmetros atuais.
A todos, porém, ficam as tristes imagens que arderam nossos corações. E mais do que nunca, irmanados à dor dos franceses pela perda, estamos imbuídos do desejo flamejante de que a planejada restauração seja breve para que aquela imagem altaneira às margens do Sena volte a alegrar nossos olhos e sonhos.
Como diria o poeta Mário Quintana: "Nada jamais continua. Tudo vai recomeçar."