Renan, o Czar
brasileiro e o descrédito quanto aos Poderes.
O dia 7 de dezembro de 2016 vai ficar marcado
na história do Brasil, como o auge do descrédito oficial da mais alta Corte do
Judiciário, o STF, bem como da desmoralização dos demais Poderes, pela vitória
de Renan Calheiros, ao ter acolhida sua rebeldia a uma determinação judicial,
via liminar monocrática, de um ministro do STF, aceitando em parte seus
argumentos, além de eliminar a eficácia da intimação efetuada através da figura
do oficial de justiça, tendo em conta a opção por não punir quem se recusa a
recebê-la, reiteradamente. Recorde-se que o ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal),
decidiu afastar Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado.
A
decisão era em caráter liminar, em cognição de caráter superficial e
provisório. Mello acatou pedido da Rede Sustentabilidade, feito para
que Renan fosse afastado do cargo depois que virou réu, na última quinta (1º),
pelo crime de peculato. Tal decisão forçou a manifestação do Plenário do
STF que, reunido na quarta-feira (07), resolveu abandonar a lei e julgar
através do "jeitinho" brasileiro, contemporizando a crise
institucional. Assim o fez acatando diversas sugestões de políticos influentes
como FHC, Aécio, Sarney, do próprio vice-presidente do Senado, priorizando uma
decisão salomônica em que, apesar de decidir que Renan não pode, em virtude de sua
situação de réu, suceder o Presidente, em eventual necessidade, mas, por outro
lado, pode continuar exercendo a presidência do Senado. A recusa em receber a
intimação, que poderia, em situação normal, acarretar até prisão por
desobediência, foi olvidada, fato que, a partir de agora, pode possibilitar que
qualquer cidadão, quando procurado por oficial de Justiça, para qualquer
comunicação ou intimação, poderá virar as costas ou simplesmente ignorá-lo.
Afinal, trata-se de situação acobertada pelo próprio STF.
Como assinalou a jornalista Vera Magalhães, do Estadão,
em artigo intitulado "STF dilapidou a própria credibilidade", de
08.12.16: "O Supremo Tribunal Federal produziu deliberadamente o segundo
“jeitinho” em menos de seis meses para responder a uma crise que não era
constitucional, mas política. Ao agir dessa maneira, a corte máxima do país se
apequena, e dá sinais de que está disposta a abrir mão da máxima segundo a
qual, no arranjo institucional republicano, cabe ao Judiciário falar por
último."
Vera, mencionou dois "jeitinhos", porque
o primeiro foi aquele ocorrido no processo de cassação de Dilma em que Lewandowski
criou um meio de evitar a perda dos direitos políticos de Dilma, à revelia da
Constituição, mas que, até agora, o STF silenciou, sugerindo concordância.
A dinâmica da existência dos três Poderes, na
democracia, fórmula criada por Montesquieu e aperfeiçoada por seguidores, teve
em Kant, segundo o jurista Paulo Bonavides (Ciência Política. 22 ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2015. p.151) o estabelecimento da criação de "um
silogismo da ordem estatal em que o legislativo se apresenta como a premissa
maior, o executivo, a premissa menor, e o judiciário, a conclusão. Insistindo
na 'majestade' dos três poderes, sempre postos numa alta esfera de valoração
ética, Kant afirma que o legislativo é 'irrepreensível', o executivo
'irresistível' e o judiciário 'inapelável'.”
Neste sentido, coincidindo com as influências
descritas no episódio Renan, com relação à importância de um Judiciário imune,
é importante a lição de Francisco Sá Filho (Relação entre os poderes do estado.
Rio: Borsoi ed., 1959. p.63): "por fim, de todos os gêneros de corrupção,
o da magistratura é o mais odioso, porque representa um dos meios irreparáveis
de proteção aos ricos em prejuízo dos pobres. Ainda quando imunes do mal, os
juízes, muitas vezes sofrem sugestões do espírito conservador, que é dominado
pelo regime econômico reinante”.
É verdade, como concluiu Vera Magalhães no artigo
citado,"o STF, com essas duas decisões, relativizou seu peso. Com isso,
chega desgastado, não só diante dos demais Poderes, mas da sociedade, para
enfrentar o que terá pela frente: vários processos contra políticos envolvidos
na Lava Jato, que andam a passos de tartaruga e cujo fim, teme-se, seja
igualmente negociado em conversas de gabinetes e fora da Constituição."
Lamentavelmente, o STF possibilitou que um cidadão com 12
processos em andamento, um em que já é réu, todos naquela Corte, tornar-se, com
tal injusta e ilegal decisão, o novo Czar do Brasil, ou imperador.
Lembre-se que, o primeiro Czar russo,
Ivan IV, como diversas fontes históricas descrevem, tinha personalidade complexa,
sendo também descrito como inteligente e piedoso, com acessos de raiva e surtos
esporádicos de transtornos mentais. Num desses ataques
assassinou seu herdeiro ao trono. Ou seja, se não em tudo, em algo, semelhante
como nosso primeiro Czar.