terça-feira, 20 de abril de 2021

Ainda bem que Rui não conheceu o atual STF

É famosa a frase do maior jurista brasileiro Rui Barbosa: " A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer." 
É o que está ocorrendo na atual composição do STF. Composição esta que conseguiu ser a pior de todos os tempos, fruto de indicações e escolhas políticas e sem o cumprimento das exigências básicas: notável saber jurídico e ilibada conduta. Após inúmeras injunções no desenvolvimento normal do Legislativo e do Executivo, o STF, representando o Poder Judiciário, desequilibrou a balança democrática de independência e harmonia dos Poderes. 
Recentemente, duas decisões tomadas, uma monocrática e a outra da 2ª Turma, inovaram atacando sentenças transitadas em julgado, atendendo, via Habeas Corpus, ao invés de Revisão Criminal, pedido do condenado Lula, revertendo decisão da 13ª Vara Criminal de Curitiba (Vara da Lava Jato), além de confirmações do Tribunal Regional e do STJ. Na monocrática, o ministro Edson Fachin anulou sentenças condenatórias de Lula, sob a alegação de incompetência daquela Vara, entendendo que a competência seria do Distrito Federal. Na decisão da Turma, com relatoria do Ministro Gilmar Mendes, foi decidido que o juiz Sergio Moro era suspeito e também julgou-se nulos os processos contra Lula. Neste caso, ainda não há decisão do Plenário.
No entanto, na semana que passou, o Plenário do STF confirmou a decisão monocrática de Fachin, relacionada à incompetência da Vara de Curitiba e anulou as ações penais contra Lula, por não se enquadrarem no contexto da operação Lava Jato, que era a especialidade daquela Vara.
Tal despropósito foi decidido no HC e no Agravo posterior. O placar foi de 8 a 3, votando a favor da nulidade o relator Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandoviski, Roberto Barroso, Rosa Weber, Carmen Lúcia e Dias Toffoli. Votaram contra: Nunes Marques, Marco Aurélio e Luiz Fux. 
Na verdade, o voto de Nunes Marques foi aquele que espelhou o entendimento correto e ele discorreu sustentando que os recursos que beneficiaram Lula foram provenientes do esquema da Petrobrás, os quais estavam na competência da 13ª Vara Criminal de Curitiba, ligada à operação Lava Jato, com farta prova. E mais, além da sentença de Sergio Moro, da 13ª Vara, houve confirmação das instâncias superiores: Tribunal Regional e STJ, as quais negaram o pedido de incompetência pleiteado.
Fachin e a maioria do Plenário se basearam em nulidades em relação à competência de juízo diversa. No entanto, no campo processual, qualquer estudante de Direito aprende nos bancos escolares um princípio basilar destacado na França sob o nome "pas de nullité sans grief" (não há nulidade sem prejuízo), também existente no artigo 566 do CPP, para consagrar que não existe nulidade se não houver prejuízo à parte. A princípio destinado às nulidades relativas, como no caso, atualmente, através de julgados do próprio STF, se admite em nulidade absoluta. No HC 85.155 /SP, a relatora ministra Ellen Gracie, 15/04/05 e, também, no AI-Ag.R 559.632/MG, relator o ministro Sepúlveda Pertence, entenderam que até em casos de nulidade absoluta pode ser aplicado o principio "pas de nullité sans grief".
Isto tudo foi destacado não só pelo Ministro Nunes Marques, como também pelos ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, o primeiro penalista e o segundo o relator do atual Código de Processo Civil, ou seja, experts na matéria.
Cabe lembrar que, na atualidade, em matéria processual, busca-se a instrumentalidade ao invés do apego à forma. Há uma excelente obra, de autoria de José Roberto dos Santos Bedaque (Direito e Processo. Influência do Direito Material sobre o Processo. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.123), onde é abordada a maneira correta da aplicação da lei e que serve no caso presente. Segundo Bedaque, desembargador do TJSP e processualista da USP, em comentário que cai como uma luva no caso de Lula, mal decidido por Fachin, que ignorou ou fechou os olhos à boa doutrina e à jurisprudência do próprio STF: "...o tema das nulidades processuais apresenta-se de suma importância. Isso porque é exatamente aqui que o formalismo exagerado pode pôr a perder toda uma série de atividades desenvolvidas pelos sujeitos do processo, com vista à tutela. A partir da premissa de que é necessário relativizar o binômio direito-processo, exsurge como consequência inexorável a relativização das nulidades processuais, que passa a ser considerada à luz dos princípios da instrumentalidade das formas e do prejuízo (pas de nullité sans grief). Toda vez que o ato processual, não obstante praticado em desconformidade com o modelo legal, atingir seu escopo, a nulidade não deve ser declarada". E, adiante, reforça: "Entende-se aplicável a essa conclusão a qualquer tipo de nulidade, mesmo as absolutas. Nenhum defeito acarreta a nulidade do ato se o escopo a que ele se destinava foi alcançado."
Ao convalidar a decisão absurda de Fachin, os oito ministros (seis nomeados por presidentes petistas e dois indicados pelo PSDB, braço do petismo) não agiram dentro da lei e entenderam que chegara a hora de presentear Lula às vésperas das próximas eleições, uma vez que o decidido possibilita ao ex-presidente condenado por corrupção tornar-se novamente elegível e poder concorrer ao pleito à presidência.
A consequência da decisão, além de possibilitar a elegibilidade de Lula, obriga a remessa dos autos dos processos a nova Vara Federal, desta feita ao Distrito Federal, para que um novo juiz, competente para os ministros, julgue novamente o réu. Ocorre que, pelo fato de Lula ter mais de 70 anos, uma nova condenação poderá não ser possível em virtude dos prazos prescricionais correrem pela metade.
E na história do STF ficará a mancha da não concretização da justiça em relação a um réu que realmente cometeu os crimes de corrupção, com farta prova e imensurável prejuízo à Nação, condenado por um juiz de primeira instância, tendo confirmação de um Tribunal Regional e ainda do Superior Tribunal de Justiça que tem status igual ao do STF, apenas não julgando questões constitucionais.
O apocalipse parece não ter fim, uma vez que na próxima quinta-feira o Plenário do STF deverá convalidar a decisão da Segunda Turma sobre a suspeição do juiz Sergio Moro nos mesmos processos. Nesta oportunidade, irá cometer mais uma teratologia a favor de um criminoso, passando por cima de doutrina e jurisprudência e chancelando prejuízo irreparável ao povo brasileiro. 
Ainda bem que Rui não conheceu o atual STF!