O respeito à lei
É preciso que os homens bons respeitem as leis más, para que os homens maus respeitem as boas. Sócrates.
Recentes notícias ligadas à segurança, bem como a atitude dos políticos diante do impacto social daí decorrente, demonstram que devemos voltar a fomentar a educação no sentido do valor do respeito às leis vigentes pelo cidadão como o corolário do bem estar social.
É fato que a situação caótica em que se encontra o país deriva de uma ignorância e desprezo das autoridades pelo cumprimento das leis. Isto se reflete no cidadão comum que não tem em que e em quem se espelhar.
Assim, é preocupante verificar que o Judiciário não tem cumprido sua mais elementar função que é a distribuição igualitária da Justiça. O sucesso da Operação Lava Jato se restringe à brava atuação da Polícia Federal, da Procuradoria Geral da República e do Poder Judiciário de primeira e segunda instâncias, mais especificamente na órbita da Justiça Federal. Tanto o STJ, como o STF deixam a desejar no exercício rigoroso e eficiente de suas funções, com o principal mal que acomete o Judiciário, qual seja a morosidade nas decisões. Além disso, em relação ao STF, atitudes de seus membros como Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso, restritos a quizilas entre si, maculam o respeito geral à mais alta Corte. Tais dúvidas não se restringem somente aos dois. Há o temor das futuras decisões dos demais membros do STF por suas manifestações anteriores, eivadas de incoerência e parcialidades oriundas das opções políticas dos mesmos. Nem se fale, também, da falta de confiabilidade no TSE, o qual, após ter maculado sua existência ao poupar Temer e Dilma no julgamento da chapa, contrariando provas e legislação, proporcionou a continuidade da situação de desgoverno ora persistente.
A crise aumenta e assusta com o recente episódio da demissão tardia do diretor geral da Polícia Federal, e a remodelação e criação de um novo ministério sob a premissa política de correção dos problemas da segurança. A situação demonstrou a insegurança e instabilidade das autoridades responsáveis, culminando com o estranho e inusitado prêmio de consolação ao demitido, para o cargo de adido na embaixada de Roma, numa mistura promíscua entre política e segurança.
Por fim, a declaração recente da ministra chefe do STF, Carmen Lucia: "A democracia vive da confiança que o cidadão tem de que o Estado não vai lhe retirar o direito de andar na rua sossegadamente", soa como uma "mea culpa", não só do órgão que representa, como um alerta para todos da órbita da política e do Judiciário.
Em editorial de hoje, o jornal O Estado de S.Paulo comenta um debate que realizou, intitulado "A reconstrução do Brasil", no qual dois juristas, Joaquim Falcão, professor da FGV-Rio e Nelson Jobim, ex-presidente do STF, discutiram a Constituição Federal de 1988 e suas carências. Ambos compararam-na à dos EUA, que tem apenas 7 artigos e algumas emendas, mas que atende aos cidadãos, com a nossa, com sua centena de artigos e uma quantidade enorme de emendas, mas que não atende às nossas necessidades. Na época, para atender às diversas correntes políticas, fez-se uma Constituição para atender aos vários segmentos, com artigos ambíguos sujeitos a muitas interpretações, obrigando o Judiciário a esclarecê-las quando necessário. Isto impôs um papel muito relevante ao Judiciário, chegando ao ponto de exercer a função de Poder Moderador atualmente, o que não é seu papel. A CF tornou o Poder Executivo dependente dos partidos políticos, obrigando os presidentes a realizarem coalizões que nem sempre atendem aos interesses do povo. E, se o Congresso passa a agir com chantagens, o Judiciário, obrigado a intervir, extrapola suas funções normais. Como salientou Nelson Jobim: "o Judiciário deve apenas aplicar a lei, não ser um elemento arbitrador dos interesses da sociedade". E mais: "a Constituição deve sofrer uma 'lipoaspiração', pelo excesso de regras, fazendo o Executivo refém do Congresso".
Há muito tempo, no Brasil, por força dos homens públicos maus, o respeito à lei está desacreditado. Nunca é tarde para lembrar exemplos bons. Recentemente, em debate no Parlamento Europeu, o primeiro vice presidente da Comissão Europeia, Frans Timmerman, a respeito do conflito na Catalunha, fez oportuna advertência: "as sociedades democráticas europeias foram construídas com base em três princípios, democracia, respeito pelo Estado de direito e direitos humanos e se um desses pilares for removido os outros dois cairão". E ajuntou: "o respeito pelo Estado de direito não é opcional, é fundamental. Se a lei não nos der o que queremos, podemos opor-nos à lei, podemos trabalhar para a alterar, mas não podemos ignorar a lei(...)".
O Brasil tem boas leis, mas lhe falta quem as respeite, principalmente aqueles que mais deveriam dar tal exemplo. Neste caso, corremos o risco de cair no perigo sobre o qual um célebre alemão advertiu há muito tempo: "com leis ruins e funcionários bons ainda é possível governar. Mas com funcionários ruins as melhores leis não servem para nada" (Otto Bismarck).
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